A Serra da Bodoquena
O Cerrado, com área de aproximadamente 2.000.000km² (IBGE - 2.004), é o segundo maior bioma brasileiro.
Apresenta localização central no país. Confronta-se com os biomas Amazônia ao norte, Caatinga a nordeste, Pantanal a sudoeste
e Mata Atlântica a sudeste. Estudos e estimativas revelam que a riqueza da fauna e flora do Cerrado é muito maior do que se
supôs até recentemente. Existem mais de 10.000 espécies vegetais, 142 espécies de mamíferos não-voadores, 935 espécies de
aves e grande variedade de demais vertebrados e invertebrados. 44% da flora é endêmica. Espécies ameaçadas de vertebrados
como a onça-pintada, o tatu-canastra, o lobo-guará, a águia-cinzenta e o cachorro-do-mato-vinagre possuem populações significativas
no Cerrado. O avanço da fronteira agrícola sobre esse bioma intensificou-se a partir dos anos sessenta com a construção de
Brasília. Hoje, existem menos de 50% de sua área original, dividida em fragmentos (Klink e Machado, 2.005). A cobertura
vegetal predominante do cerrado são as savanas – uma forma de cobertura em que árvores esparsas coexistem com arbustos
e gramíneas. No entanto, na área de ocorrência do cerrado observam-se também florestas (onde predominam as árvores). Excetuando-se
as matas ciliares, estima-se que as florestas cubram cerca de 15% da área do Cerrado. Nos grandes mapeamentos (PCBAP, IBGE
e RADAM-Brasil), a cobertura vegetal da Serra da Bodoquena consiste principalmente de floresta estacional decidual sub-montana,
ou seja, floresta de encostas onde a maioria das árvores perde as folhas na estação seca. Alguns pesquisadores acreditam
que a Serra da Bodoquena integraria o Domínio da Mata Atlântica. Para eles, o Domínio da Mata Atlântica corresponderia a uma
cobertura florestal praticamente contínua, ainda que muito diversificada, que se estendia ao longo da costa, do Rio Grande
do Norte ao Rio Grande do Sul, com amplas extensões para o interior, cobrindo a quase totalidade dos estados do Espírito Santo,
Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, além de partes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, e Mato Grosso do Sul
e de extensões na Argentina e no Paraguai. De fato, nas áreas mais úmidas da Serra da Bodoquena existem espécies de mata atlântica
como o angico paraguaio, a guajuvira e a ata-do-mato. No entanto, a vegetação da Serra da Bodoquena apresenta semelhanças
com a de outras florestas que se desenvolvem sobre solos calcários no Nordeste e no Centro-Oeste do Brasil. A Serra
da Bodoquena é um divisor de águas da Bacia do Alto Paraguai (BAP). A BAP ocupa uma área de aproximadamente 600.000km² na
América do Sul, dos quais 363.442km² estão em território brasileiro. O Pantanal brasileiro responde por 147.629km² (41%) da
área da BAP no Brasil. Os planaltos onde nascem os rios do Pantanal ocupam uma área de 215.813km² e representam 59% da área
da BAP no território brasileiro (Harris et al., 2.005). O Parque Nacional da Serra da Bodoquena, localizado em planalto
homônimo da BAP, inclui a cabeceira de rios com importância regional no sudoeste do Mato Grosso do Sul: rio Perdido ao sul,
rio Formoso a leste, rio da Prata a sudeste e rio Salobra ao norte. Tanto o Salobra como o Formoso e o Prata são tributários
do Miranda, ao passo que o Perdido deságua no Apa. Os rios Miranda e Apa estão entre os principais tributários da margem esquerda
do rio Paraguai, que por sua vez é um dos principais rios do Brasil, formalmente incluído na Bacia do Prata. Nos trechos altos
dos rios da Prata, Formoso e Perdido existem extensos banhados, dos quais somente o do Perdido insere-se parcialmente no Parque.
A Serra da Bodoquena, ou planalto da Bodoquena, apresenta relevo cárstico. É composta de rochas carbonáticas muito puras
(Sallun et al., 2.004). Constitui uma província espeleológica, ou seja, “uma região pertencente a uma mesma formação
geológica onde ocorrem grandes corpos de rochas carbonáticas suscetíveis às ações cársticas” (Lino e Allievi). As cavidades
secas são pouco freqüentes em comparação com outras províncias espeleológicas do Brasil. Até 2.003, estavam cadastradas na
Sociedade Brasileira de Espeleologia 78 cavidades das quais apenas 30 foram mapeadas com precisão. Os levantamentos do CECAV
para o plano de manejo resultaram na descrição de mais 80 novas cavidades. Existem indícios da existência de grandes sistemas
de cavernas inundadas, cuja exploração e mapeamento ainda estão no início. No geral, a dinâmica das águas pelo subsolo da
Serra da Bodoquena é pouco conhecida (Sallun et al., 2.004). A ação corrosiva das águas da chuva sobre as rochas libera
sais (carbonatos de cálcio e de magnésio, por exemplo), que são responsáveis pelo gosto salobro e pela alta capacidade incrustante
da água encontrada na Serra da Bodoquena. A deposição dos carbonatos em tufas calcárias no decorrer da drenagem é responsável
pela formação de piscinas naturais e cachoeiras, resultando em uma paisagem rara no território nacional. As tufas permitem
estudos sobre o clima e a hidrologia da pré-história da região, além de apresentar registros fósseis. “Em praticamente
todas drenagens que cortam o planalto, há formação de tufas calcárias, o que torna o relevo do Planalto da Bodoquena distinto
das demais áreas cársticas brasileiras. No mundo, este conjunto de tufas calcárias talvez seja superado, em beleza e tamanho,
apenas pelos depósitos de tufas do Parque Plitivice na Croácia, reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO”
(Boggiani, 1.999).
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Certos cursos de água com trechos subterrâneos e algumas cavidades alagadas possuem potencial de mergulho.
O Buraco das Abelhas, localizado dentro do Parque Nacional, é a maior gruta cadastrada na Serra da Bodoquena. Segundo os especialistas,
no Brasil essa cavidade é a única propícia ao treinamento de espeleo-mergulhadores. Expedições científicas revelaram a
existência de fósseis em áreas submersas próximas ao Parque. Na nascente do rio Formoso, pesquisadores do Museu Nacional encontraram
em 2003 um fóssil de Stegomastadon, um mastodonte (Carvalho, 2.004). Em 1.992, uma missão franco-brasileira encontrou fósseis
de três gêneros na Gruta do Lago Azul: Eremotherium, Smilodon e Glyptodon, uma preguiça, um tigre-dente-de-sabre e
um tatu, respectivamente (Von Behr 2.001; Sallum et al., 2.004). São encontrados na Serra da Bodoquena estromatólitos (Boggianni,
1.993), indícios de atividade biológica em lagoas do pré-cambriano. Além do registro fossilífero apresentado, as cavidades
inundadas consistem em potencial fonte de endemismos, novas descobertas e ampliação de área de ocorrência de espécies. Na
gruta do Lago Azul, um crustáceo da ordem Spelaeogriphacea representou a primeira descrição da espécie para o Brasil.
Uma espécie de bagre e outra de um crustáceo anfípodo foram descritas pela primeira vez com base em exemplares coletados na
nascente do rio Formoso. Ali foi descrita uma nova espécie de bagre. Vários troglóbios foram descritos nos últimos anos (Sabino
e Trajano). Em conclusão, o Parque protege uma floresta pouco comum no Cerrado, que por seu turno é um bioma ameaçado.
O patrimônio natural da Serra da Bodoquena manteve-se relativamente preservado devido à dificuldade de acesso e de implementação
de infra-estrutura. No passado, houve intensa exploração madeireira e, nas áreas onde a floresta foi devastada, os prejuízos
à coletividade, tais como assoreamento e erosões, são evidentes. O Parque foi criado para resguardar esse patrimônio. A
Serra da Bodoquena engloba a cabeceira de rios regionalmente importantes, cujas águas vertem para rios federais. O relevo
apresenta peculiaridades pouco comuns a outras regiões cársticas brasileiras, com destaque para as tufas calcárias. Soma-se
a isso a existência de registro paleontológico e de endemismos. Os fatos favorecem que, futuramente, seja aventada a possibilidade
de requerer junto à UNESCO a declaração do Parque como Reserva do Patrimônio Mundial.
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